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segunda-feira, 21 de março de 2016

QUANDO A TRAGÉDIA GREGA SE ESPALHA PELAS RUAS

Espetáculo convida o público a sair do teatro em busca dos flagelos de Édipo



O diretor Darlei Fernandes como Corifeu, o "chefe do Coro", em cena de "Édipo_2: Párodo". Foto: Akio Garmatter/Divulgação.

A Companhia Subjétil volta às ruas da cidade para apresentar “Édipo_2: Párodo”, em cartaz na Mostra Fringe do Festival de Teatro de Curitiba nos dias 23 e 25 de março. O espetáculo convida o público a sair da condição de espectador e seguir um percurso de performances potentes por ruas do São Francisco, setor histórico da capital.
A proposta artística do diretor Darlei Fernandes é abordar o discurso e a função do Coro Trágico como foco principal do evento cênico, a partir do mito e da estrutura dramatúrgica das tragédias gregas. Partindo do Teatro Novelas Curitibanas, os artistas Carol Damião, Daniele Cristyne e Ricardo Nolasco desconstroem a tragédia ideal em busca dos flagelos do filho de Jocasta em quase duas horas de errâncias pela região. Entre a primeira cena e o êxodo, o trajeto contempla pelo menos doze pontos do bairro, dentre os quais a Praça Odilon Mader e o Reservatório do Alto São Francisco.
Pensar Édipo é reexplorar a cidade e entendê-la como um corpo amorfo que cresce e se molda ao seu coro de vozes dissonantes. Não se trata de mais uma releitura da história de Sófocles. Trata-se de uma procura pelo herói – embora, desde o começo do espetáculo, sejamos avisados de que “Édipo não está e nem virá”.
No ano passado, quando em cartaz na Mostra Drama_1, promovida pela Companhia de Bife Seco, assisti ao espetáculo e escrevi algumas ruminações sobre ele n'A Escotilha (leia aqui). Dentre o que mais me chamou atenção à época, pontuei o seguinte:

"Cabe ressaltar o quanto a região em que a trama se estabelece é decisiva na composição não apenas do cenário, como, sobretudo, da dramaturgia. O conflito proposto por Édipo_2: Párodo funciona, dentre outras coisas, porque traz à cena o bairro-símbolo da divergência ideológica na cidade, a ambiguidade edípica por excelência. Eis um São Francisco que suscita pena e, ao mesmo tempo, encanto. Belo em sua podridão obscura; triste à sombra dos palacetes e discursos moralistas. O orgulho e a vergonha da “urbe-projeto-esgotado”. Um São Francisco esposa e mãe. Gozo e leite".

"Fora Cunha": as incoerências do cenário político nacional farão parte dos textos da peça. Foto: Akio Garmatter/Divulgação.


Para esta temporada no Fringe, a Subjétil promete atualizar a dramaturgia do espetáculo, levando em conta, sobretudo, o atual e conturbado momento político pelo qual o país atravessa. As divergências ideológicas, hasteadas em bandeiras rivais e inflamadas em discursos de amor e ódio, remontam à contradição edípica por excelência. Mais um motivo para conferir este transgressor trabalho da companhia curitibana.
Fundada em 2007 por Fernandes, a Subjétil tem em seus trabalhos a pesquisa de criação cênica em diálogo com a performance, a dança e a arquitetura. Os espetáculos do grupo curitibano são reconhecidos pelo abandono do palco tradicional e das salas teatrais para a invasão do espaço urbano. Em 2010, estreou “Édipo: Prológo”, onde explorava, além do mito, a história da arquitetura da região no entorno do teatro. Neste novo trabalho, Édipo retorna como tema de pesquisa, mas agora sob o olhar do Coro, ou seja, do povo da cidade.
“Édipo_2: Párodo” tem entrada franca. Recomenda-se ao público usar roupas e sapatos confortáveis e levar guarda-chuva, se necessário.

Serviço
Companhia Subjétil
23 e 25 de Março (quarta e sexta), às 18h
Teatro Novelas Curitibanas
Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1222

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

LEITURAS DE 2015, UM ANO EM 9278 PÁGINAS

Não atingi, nem dobrei a meta. Mas deu pra ler coisa pra caramba no desafio dos 50 livros



Foto: Daniele Cristyne.


"Um dia antes de que 2014 escapasse para sempre e em meio às promessas para o porvir, estabeleci uma resolução um tanto audaciosa comigo mesma. Mais do que um objetivo pragmático, tratou-se de uma missão que julgo transcendente: a de ler, ao longo de 2015, pelo menos cinquenta livros – e não tons de cinza".
Essa história tornou-se conhecida em 30 de março, dia em que A Escotilha, excelente proposta de jornalismo cultural de Curitiba, foi ao ar. Fui parar na equipe de colaboradores a convite dos editores e amigos Alejandro Mercado e Maura Martins. Eles leram uma publicação no Twitter em que comentei sobre essa história de cinquenta títulos em um ano e acharam que seria bacana compartilhar minhas experiências de leitura com o público do portal que estava para ser inaugurado. 



Assim, fui presenteada com a coluna Contracapa, na qual eu escreveria não apenas a respeito de livros e suas tramas, mas, principalmente, sobre os meus percursos e processos de leitura. Um espaço, enfim, sobre travessias, devaneios e ruminações.
A partir da primeira publicação no site, intitulada "Contracapa: o desafio dos 50 livros" (leia aqui), o desafio tornou-se ainda mais sério. Agora que a meta era conhecida por muitas pessoas, eu tinha mais é que me dedicar a cumpri-la - ou a parada ficaria muito feia pro meu lado.
Acontece que, transcorridos 12 meses, eu admito que não atingi o objetivo; não consegui ler os cinquenta livros a que tinha me disposto. Em minha defesa, posso dizer que a tentativa, ainda que fracassada, foi ao menos determinada. Sincera. E, sim, muito produtiva.
Foram 40 leituras ao longo de 2015, das quais 35 válidas nos critérios que eu mesma estipulei nesse desafio (a lista completa segue no final deste post). O ano correu no ritmo das 9278 páginas das obras lidas, entre quadrinhos, contos, crônicas, poemas e, principalmente, romances; produções de 31 autores diferentes (25 homens e seis mulheres), vindos das Américas do Norte, Central e do Sul, além de Europa e África. Descobri as agruras mexicanas, o claustro de um convento na Colômbia, o horror das ditaduras da República Dominicana, de Marrocos e da Alemanha Nazista, um mundo pré e pós computadorizado no Chile, o buriti e as veredas do grande sertão brasileiro, as cenas cinzas da Curitiba que viajo. E olha que eu nem saí do meu sofá.


    Mesmo que o eldorado não tenha sido tocado, o número que alcancei não deixa de ser expressivo: noves fora, a média final chegou a três livros por mês (ou 25 páginas por dia). O que importa, no entanto, não são as cifras, mas o sabor literário daquilo que foi contemplado. É aí que o feito, mesmo que incompleto, ganha valor genuíno para mim: eu não me enganaria ao dizer que trinta das minhas leituras foram ótimas em alguma medida. 
Com isso, encontrei certa dificuldade em elaborar uma lista sobre quais teriam sido as melhores leituras deste ano. Isso porque o que torna um livro inesquecível não se resume à trama, à construção e à fluidez narrativa, ao estilo ou ao valor literário, mas engloba tanto as particularidades intrínsecas ao texto quanto as características de cada leitor - bagagem literária, referências socioculturais, carga de experiências, memórias afetivas, estado de espírito. 
Fui obrigada, então, a elencar algumas categorias para qualificar os livros em diferentes aspectos - alguns mais mensuráveis, outros totalmente subjetivos. Assim, consegui abarcar livros que, ainda que muito bons em alguns pontos, deixariam de ser citados/lembrados se o critério fosse apenas "os melhores" - e, afinal, o que é melhor ou pior quando falamos em arte?

Eis, portanto, os meus destaques de 2015:


Os bonitões
1) O Hobbit: Lá e de Volta Outra Vez (WMF Martins Fontes)

















2) Bonsai (Cosac Naify)
3) a máquina de fazer espanhóis (Cosac Naify)
   O Filho de Mil Homens (Cosac Naify)¹


Os gigantes pela própria natureza
1) Harry Potter e a Ordem da Fênix (704 páginas)
2) Grande Sertão: Veredas (624 páginas)
3) Harry Potter e o Cálice de Fogo (536 páginas)


Rápidos, rasteiros e potentes
1) O mistério da prostituta japonesa & Mimi-Nashi-Oichi (18 páginas)
2) Festa no Covil (96 páginas)
3) Bonsai (96 páginas)


Frescor literário
1) a máquina de fazer espanhóis (leia a crítica)
   Bonsai (leia a crítica)
2) A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao (leia a crítica)
3) A Visita Cruel do Tempo (leia a crítica)


Pancadaria literária
1) a máquina de fazer espanhóis
2) Mano, a noite está velha
3) Desonra 

  • Hors concour - Grande Sertão: Veredas

Melhores tramas
1) A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao
   Eu, Malika Oufkir, Prisioneira do Rei
2) A Visita Cruel do Tempo
   Clube da Luta
3) O Hobbit: Lá e de Volta Outra Vez

  • Hors concour - Grande Sertão: Veredas

Melhores leituras
1) Grande Sertão: Veredas
2) a máquina de fazer espanhóis
   Festa no Covil (leia a crítica)
3) Desonra (leia a crítica)
   O Hobbit: Lá e de Volta Outra Vez


Melhores releituras
1) Grande Sertão: Veredas
2) A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao
3) Ultralyrics


Não indico nem a pau
1) Vinte mil léguas submarinas (Adaptação de Walcyr Carrasco) – 1 estrela
2) A biografia de Torquato Neto – 2 estrelas
3) Harry Potter e a Ordem da Fênix - 3 estrelas


Enfim, pelo menos nas leituras, 2015 foi um ano excelente. Não li muitos clássicos, é verdade, mas consegui equacionar alguns déficits do meu repertório literário (literatura contemporânea, literatura infantojuvenil, literatura paranaense). Para o ano que vem, já tenho alguns planos em mente (Ulysses é o principal deles!), mas a meta fica em aberto. Assim, quando eu alcançá-la, quem sabe não poderei dobrá-la?²

#leiacomigo



LEITURAS DE 2015:
Literatura (29) - A biografia de Torquato Neto - Toninho Vaz * Nelson Triunfo – Do sertão ao Hip-Hop - Gilberto Yoshinaga * Eu, Malika Oufkir, prisioneira do rei - Malika Oufkir e Michèle Fitoussi * A Trama do Casamento - Jeffrey Eugenides * Festa no Covil - Juan Pablo Villalobos * Se Vivêssemos em um Lugar Normal - Juan Pablo Villalobos * A Visita Cruel do Tempo - Jennifer Egan * O Oceano no Fim do Caminho - Neil Gaiman * A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao - Junot Díaz * a máquina de fazer espanhóis - Valter Hugo Mãe * O Filho de Mil Homens - Valter Hugo Mãe * Bonsai - Alejandro Zambra * Desonra - J.M. Coetzee * Lincha Tarado - Dalton Trevisan * Como eu se fiz por si mesmo - Jamil Snege * A Nona Cartada - João Batista de Pilar * Ultralyrics - Marcos Prado * A Rainha Vermelha - Victoria Aveyard * Harry Potter e o Cálice de FogoJ.K. Rowling * Grande Sertão: Veredas - João Guimarães Rosa * Vinte Mil Léguas Submarinas - Julio Verne (adaptação de Walcyr Carrasco) * Mano, a noite está velha - Wilson Bueno * Do amor e outros demônios - Gabriel Garcia Marquez * O Hobbit: Lá e de Volta Outra Vez - J.R.R. Tolkien * Meus Documentos - Alejandro Zambra * Harry Potter e a Ordem da Fênix - J.K. Rowling * O Mistério da Prostituta Japonesa & Mimi-Nashi-Oichi - Valêncio Xavier * O Grande Gatsby - Franz Scott Fitzgerald * Clube da Luta - Chuck Palahniuk. Outras linguagens (6) - Maus: a história de um sobrevivente - Art Spiegelman * Ópera da Lua – Osgêmeos Vigor Mortis Comics - Paulo Biscaia Filho, José Aguiar e DW Ribatski * Songbook Paulo Leminski - Paulo Leminski/Estrela Leminski * Esperando Godot - Samuel Beckett * Eles não usam Black-Tie - Gianfrancesco Guarnieri.



¹: R.I.P. Cosac Naify. ♥
²: O contra desta capa representa uma bravata: leia mais.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

CÚMPLICE



Eu não conseguia pegar no sono. Minha irmã já havia dormido. Ela parecia conseguir pegar no sono quando bem entendesse, uma habilidade que eu não tinha e invejava.

Neil Gaiman, “O Oceano no Fim do Caminho”


Uma mulher saiu de casa.
Uma mulher confiando em nosso sono saiu de casa.
Uma mulher confiando em nosso sono saiu de casa e nos deixou aqui. 
Uma mulher confiando em nosso sono saiu de casa e nos deixou aqui eu e minha irmã. 
A mulher é a nossa tia.
A nossa tia sai de casa quando pensa que estamos dormindo.

(eu sempre finjo que estou dormindo um pouco antes da minha tia sair às vezes até acabo cochilando a minha irmã que é minha irmã mais nova é muito medrosa sorte é que ela nunca acordou das outras vezes em que a nossa tia saiu acho que ela pega no sono quando bem entende)

Esta noite, uma mulher confiando em nosso sono saiu de casa e nos deixou aqui eu e minha irmã.
Acordados.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

VERTIGEM


A foda das minhas noites
É o foda dos meus dias.

REGINA


Na Rua da Imperatriz
A mãe era a rainha.

A RELEITURA DE CURITIBA


  
Por circunstância da qual pouco lembro, dia desses precisei deslocar-me das cercanias do Juvevê para os prados do Bairro Novo B. Rumo ao até então desconhecido, pensei, naquela manhã, estar vivendo uma legítima expedição de descobrimento: partira de uma Curitiba familiar em direção a uma que a mim era distante, embora tão próxima a tantos outros conterrâneos. A campanha foi longa – digna dos tropeiros! -, entre bocejos, páginas de um livro, três ou quatro linhas de ônibus e reflexões sobre a cidade em que nasci, vivo e redescubro a cada dia, rua e morador.
Distraída com as paisagens estampadas por trás da vidraça rabiscada, a sensação era a de estar diante de uma improvável Curitiba nova. Sim, improvável; ora, não poderia ser novo o meu berço gentil! Mas, assim como ocorre desde que criei minha primeira noção de cidade, lá nos idos dos 300 anos, a terra das Araucárias e dos vampiros despiu-se novamente e revelou-se outra. Ou melhor, também outra. Afinal, Curitiba é uma e diferente a cada descobrimento.
E descobrimento é, se não, uma nova possibilidade de leitura. Ao invés de descobrir, naquela manhã eu, em verdade, reli Curitiba. Assim como a releio em Trevisan, Xavier e Leminski. Assim como a reinterpreto em todo terminal, parque, boteco ou ladrilho da XV. A ideia que sustentamos a respeito de algum lugar pode ser remodelada à medida que damos vazão para outras interpretações possíveis, a partir das novas experiências.  
O desafio reside em permitir-se abrir espaço para revelações quando o olhar está viciado nos julgamentos e soluções simplistas e pouco inspiradores. Remédio não-paliativo para a vista mundana é o exercício contínuo e indelével da leitura; de livros, de filmes, da cidade, de gente, da gente.
Ler – seja lá qual for o objeto a ser decifrado (de Dostoievski ao Osternack) - não apenas cria e fortalece o repertório cultural ou literário de cada um. Ler também provoca novas e, muitas vezes, dantes improváveis perspectivas de interpretação, dilatando as retinas do olhar condicionado ao comum e voltando-as a vieses sutis de análise de, por exemplo, fatos cotidianos, relações sociais, conjunturas históricas e políticas, entre outros.
A metafórica dilatação das perspectivas do olhar, possível a partir da relação íntima com a literatura e com as artes em geral, enriquece as possibilidades de interpretação do mundo e dos múltiplos universos nele contidos. No caso dos amantes de polaquinhas e catataus, o contato com o fabuloso derruba preconceitos e potencializa a releitura da Curitiba perdida e das diversas cidades nela escondidas. No caminho de norte a sul, o ledor simplista apenas julga o rincão distante; o leitor, fruto dos livros e da vida, redescobre a cidade.
Quando leitores são tropeiros em busca de novos horizontes, debruçar-se sobre as linhas vertiginosas da literatura e imbuir-se dos prazeres da leitura são expedições de descobrimento.