sexta-feira, 20 de setembro de 2013
A RELEITURA DE CURITIBA
Por circunstância da qual pouco
lembro, dia desses precisei deslocar-me das cercanias do Juvevê para os prados
do Bairro Novo B. Rumo ao até então desconhecido, pensei, naquela manhã, estar
vivendo uma legítima expedição de descobrimento: partira de uma Curitiba
familiar em direção a uma que a mim era distante, embora tão próxima a tantos
outros conterrâneos. A campanha foi longa – digna dos tropeiros –, entre
bocejos, páginas de um livro, três ou quatro linhas de ônibus e reflexões sobre
a cidade em que nasci, vivo e redescubro a cada dia, rua e morador.
Distraída com as paisagens
estampadas por trás da vidraça rabiscada, a sensação era a de estar diante de
uma improvável Curitiba nova. Sim, improvável; ora, não poderia ser novo o meu
berço gentil! Mas, assim como ocorre desde que criei minha primeira noção de
cidade, lá nos idos dos 300 anos, a terra das Araucárias e dos vampiros
despiu-se novamente e revelou-se outra. Ou melhor, também outra. Afinal, Curitiba
é uma e diferente a cada descobrimento.
E descobrimento é, se não, uma
nova possibilidade de leitura. Ao invés de descobrir, naquela manhã eu, em
verdade, reli Curitiba. Assim como a releio em Trevisan, Xavier e Leminski.
Assim como a reinterpreto em todo terminal, parque, boteco ou ladrilho da XV. A
ideia que sustentamos a respeito de algum lugar pode ser remodelada à medida
que damos vazão para outras interpretações possíveis, a partir das novas experiências.
O desafio reside em permitir-se
abrir espaço para revelações quando o olhar está viciado nos julgamentos e soluções
simplistas e pouco inspiradores. Remédio não-paliativo para a vista mundana é o
exercício contínuo e indelével da leitura; de livros, de filmes, da cidade, de
gente, da gente.
Ler –
seja lá qual for o objeto a ser decifrado, de Dostoievski ao Osternack – não
apenas cria e fortalece o repertório cultural ou literário de cada um. Ler também
provoca novas e, muitas vezes, dantes improváveis perspectivas de interpretação,
dilatando as retinas do olhar condicionado ao comum e voltando-as a vieses
sutis de análise de, por exemplo, fatos cotidianos, relações sociais,
conjunturas históricas e políticas, entre outros.
A
metafórica dilatação das perspectivas do olhar, possível a partir da relação
íntima com a literatura e com as artes em geral, enriquece as possibilidades de interpretação do
mundo e dos múltiplos universos nele contidos. No caso dos amantes de
polaquinhas e catataus, o contato com o fabuloso derruba preconceitos e potencializa
a releitura da Curitiba perdida e das diversas cidades nela escondidas. No
caminho de norte a sul, o ledor simplista apenas julga o rincão distante; o leitor,
fruto dos livros e da vida, redescobre a cidade.
Quando
leitores são tropeiros em busca de novos horizontes, debruçar-se sobre as
linhas vertiginosas da literatura e imbuir-se dos prazeres da leitura são
expedições de descobrimento.
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