Pode ser – ou certamente é –
um tanto tarde para rememorar a viagem que fiz no último março. A ocasião,
porém, mostra-se propícia; a entrada de um novo tempo tende a ser – e certamente é – a instância ideal para que se olhe para trás e se reflita sobre
o que de melhor ou mesmo de pior ocorreu no ano findo. Às margens da
virada, retrospectivas de toda sorte invadem a TV, os impressos, as timelines e as reminiscências coletivas,
fazendo-nos refletir sobre aquilo que não volta, mas que, quando bom, permanece.
Quiçá o correr de dez meses
desde as chegadas e partidas europeias tenha ofuscado algumas minúcias da minha
expedição. Já não sei nomear alguns lugares por onde andei, restaurantes em que
comi, coletivos que tomei. O tempo, no entanto, não apagou as delícias de uma
experiência que, como diria a canção, deixou o gosto e as fotos, além do
vibrante anseio de que se repita o quão breve.
Dia desses, dentre tantas
coisas das quais eu já não me lembrava mais, veio-me à mente o exato instante
em que desci do avião na pista do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. Momento
sutil, felicidade clandestina. O vento cortante daquele dia 2 de março pareceu-me
entrar por cada um de meus poros. Era o átimo que separava quimera e realidade:
eu estava, sim, na Europa, ainda que teimasse em não acreditar. O frio imediato
sentido depois da rajada, gélida, nada mais foi que o cartão de boas-vindas ao
Velho Continente, obnubilado sob o clima nublado que se mostraria onipresente
no fim do inverno europeu. O vento que surrou o corpo, marcou para sempre a
alma.
Paris, na ocasião, ainda não se
despiria; fora apenas uma pausa antes da conexão para Cardiff - a dantes
desconhecida capital do País de Gales, prado legítimo da rainha-mãe assim como
Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte. Acolhedora, Cardiff foi a primeira
escala da incursão que durou 28 dias e percorreu, além da terra dos galeses,
também ruas, avenidas e o cotidiano de Inglaterra (em Londres), França (em
Paris) e Espanha (em Madrid).
As ruminações, desde então, tornaram-se
contínuas. Perenes. As novas vivências dilataram minhas retinas. Depois da
viagem, passei a contemplar os dias através das lentes glaucas e enriquecedoras
trasladas frente ao meu olhar. Quem viveu coisa semelhante, seja lá em que
lugar e circunstância, bem sabe o que os ares e até os ventos de uma terra incógnita
provocam: partimos uns, voltamos outros. Melhores? Diferentes.
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Musée du Louvre, Paris. Março de 2012. |