conteúdos da página PERIÓDICAS: julho 2012

quinta-feira, 26 de julho de 2012

DA ARTE


Se queres a morte
Separa-te da arte

A beleza da forma
Faz-me vislumbrar a vida
À margem da pragmática
Realidade (co)medida

Distante do discurso vão
Desprendo-me do meio
Entorpeço-me com o devaneio
Do bálsamo da ilusão

Se queres a morte
Permaneça-te à parte
Do olhar louco
(E pertinente)
Da arte pela arte.

terça-feira, 17 de julho de 2012

DEVOLVA MEUS LIVROS



Minha filha não volta para casa há mais de quinze dias. Eu estou tentando entrar em contato, ligo para o celular dela. Nem sinal. Ela é assim: às vezes some, vai para Londres e fica dias sem voltar, perdida pelos pubs de Camden Town. Dessa vez, deixou o filho aqui comigo. O pequeno Jason chora a todo instante, chamando pela mãe. Eu não sei onde Jessica está, nem quando vai voltar. Peço desculpas.

Ao fundo da ligação, uma criança grita em desespero. Pelo que parece, a garota sumiu. E com ela, Eclipse, de Stephenie Meyer, cuja devolução está pendente. É um livro bastante procurado pelas adolescentes galesas. Jessica precisa voltar. Sua multa já chegou a dois pounds.
Assim como Jessica, muitos usuários tardam a devolver os títulos que emprestam. Alguns, por poucos dias. Outros passam semanas sem aparecer. Há quem leve mais de ano para retornar. Viagem, doença, acidente, distração, talvez o frio dos últimos tempos. Acontece.
Meu nome é Lucy. Minha missão aqui na Cardiff Central Library é a de avisar aos leitores ausentes que um exemplar de nosso acervo permanece em sua posse há mais tempo do que deveria permanecer. Atrasos, obviamente, não são tolerados. Mas acho que nem todos sabem disso. Se soubessem, eu perderia meu emprego.

É importante que o livro esteja conosco de volta o quão mais breve. Qualquer pessoa pode trazê-lo. A multa é de 10 pence por dia de atraso. Aceitamos doações de títulos britânicos - da trilogia de J.R.R. Tolkien a Virginia Wolf e Huxley. A biblioteca fica aberta de segunda a sábado. Aguardamos a devolução.

Todos os dias, quando chego a The Hayes - o largo onde se localiza a Cardiff Central Library -, espero ansiosa pelas desculpas com as quais os caros retardatários tentarão justificar suas pendências. A de Jessica, ontem, foi a mais comovente da semana. Não sei se pelo abandono do filho. Ou se pelo tamanho da lista de espera dos próximos leitores de Meyer. É incrível como, diante de um acervo com mais de dez mil itens em galês, a nossa língua-pátria, as mocinhas de hoje em dia insistam em ler esses best-sellers americanos. Como diria Orwell, mais rasteiros que as novelas de Ethel M. Dell!
Um cara chamado George emprestou, vinte dias atrás, um clássico de Orwell, seu xará ilustre. Até hoje, não o devolvera, tampouco dera satisfação sobre o sumiço. Tomei o telefone para pedir que Keep the aspidistra flying voltasse para a prateleira dos romances ingleses da década de 30. Era a minha primeira chamada da manhã.

Lucy, você não vai acreditar! Caí da minha moto na semana passada, foi bem feio. Ainda não estou bem. Mas, assim que eu melhorar, faço questão de levá-lo pessoalmente e também de quitar meu débito.

De fato, eu não acreditei. No inverno, as motos eram raras nas ruas de Cardiff. E sobre acidentes com motociclistas, eu não havia lido sequer uma nota no Wales OnLine. Além disso, qual parte de “qualquer pessoa pode trazê-lo” George não entendeu? Da gentileza típica aos britânicos, eu abria mão. Porém, da multa, não - ou alguns pounds seriam descontados do meu próximo ordenado.
A vez, agora, era de Ann, 20 anos, cadastro recentíssimo e um atraso logo no primeiro empréstimo. Harry Potter.

Estive em Newport no último sábado e acabei esquecendo o livro com a minha prima. Eu sinto muito. Vou pedir para que ela venha a Cardiff para trazê-lo, não se preocupe. Obrigada por me lembrar!

Foi sincera, ao menos. Com Ann, não me preocupei. Quem causou preocupação maior foi a próxima da lista: a mal-falada Shana Davis.
Shana era uma desvairada, conhecida por todos que frequentavam os arredores da Queen Street. Vivia trôpega, bêbada e molhada pelas ruas do centro da cidade, entre goles de Irish whiskey e Foster Beer quente, que deixavam a criatura com um bafo digno do dragão vermelho da bandeira de Gales. Em seu bolso, apenas um penny. Um paupérrimo penny! Shana e o penny. Shana miserável!
Era simplesmente inadmissível que ainda emprestassem exemplares para aquela louca. Ela rasurava todos os livros que levava consigo. Shana porca! Um dia, eu ainda a proibiria de entrar na biblioteca – quer dizer, isso se eu conseguisse passar por cima dos diretores da Cardiff Central Library. Eles, assim como tantos outros homens e até algumas mulheres, eram encantados por Shana. Shana maldita!
O telefone chama. Um toque. Nada de Shana. Outro. Ao terceiro, finalmente atendem.
 
Shana? Ah, ela não está. E eu também não faço a menor ideia de onde você poderá encontrá-la.

Shana desgraçada! Partira, poucos dias antes, com um marinheiro que aportara na Cardiff Bay. Em meio à raiva que me consumia, eu até podia imaginar a manchete no Wales OnLine: “Shana em fuga”! E o pior: em fuga com o livro que eu tinha como missão resgatar. O bendito, um título tão raso quanto ela: Os dez mandamentos do amor, por Little Dick Junior.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O BAIRRISMO PARANAENSE NA FINAL DA COPA DO BRASIL



Em tempos das decisões dos mais relevantes campeonatos disputados por equipes brasileiras no primeiro semestre (a ver, Libertadores da América e Copa do Brasil), sempre me deparo com manifestações inflamadas do velho discurso "valorize o futebol do seu estado" e com as consequentes defesas - por vezes ofensivas! - desse viés um tanto quanto bairrista.


Charge: Los Três Inimigos, por Tiago Recchia (Gazeta do Povo).

Por conta do segundo jogo da final da Copa do Brasil, que vai ser disputado entre Coritiba e Palmeiras, esta quarta-feira será um dia em que as timelines do Facebook e do Twitter serão bombardeadas por tais comentários, no pior estilo "transmissão simultânea" by globoesporte.com.
NÃO sou hipócrita e NÃO endosso o regionalismo - pelo menos, não no futebol. Assim sendo, eu realmente desejo que o Coxa, assim como no ano passado, NÃO se sagre campeão. Mas, ao contrário do que se poderia supor, não digo isso tão somente pelo fato de ser atleticana paranaense - e aqui, sim, cabe ressaltar o "paranaense".
Desde que comecei a me interessar por futebol, no início da década de 90, eu torço pelo verdão do Palestra Itália - e não vejo mal algum em minha torcida. Aliás, qual é o transtorno ou o incômodo que isso pode suscitar na vida dos que adotam a postura "sou do Paraná, torço para os times daqui"? Até porque, se houvesse, de fato, problema e, mais, se teoria e prática defendessem o mesmo escudo, muitos desses pseudo-moralistas NÃO desfilariam por aí com suas camisas do Barcelona, do Chelsea ou até mesmo da seleção da Argentina. Demagogia pouca é bobagem.
Assim como na escolha por determinada religião ou por uma bandeira política, cada um é livre para vibrar pelo time que bem entender, seja o clube do Paraná, do Acre ou de El Salvador.
Portanto, hoje, ilustres anti-"elite", anti-eixo ou anti-qualquer-coisa-que-não-seja-do-estado de plantão, respeitem a quem, assim como eu, é de Curitiba e torce pela Sociedade Esportiva Palmeiras. Afinal, NÃO há problema em ser fã de um esquadrão que fascinou muitos torcedores - inclusive paranaenses! - com os bi-campeonatos paulista e brasileiro em 93 e 94. Por sinal, uma época em que a dupla Atletiba minguava nos prados da 2ª divisão do nacional e mal despertava interesse nos novos hinchas daqui, que, aos pares, passaram a torcer pelo recém-fundado Paraná Clube.
De toda forma, boa sorte a ambas as equipes finalistas. Independente da federação a que pertença, que vença a mais competente. E, sem essa de bairrismo barato, dá-lhe Porco, o alviverde imponente!